domingo, 4 de setembro de 2016

3 - História de Santa Rosa de Viterbo nos Processos de Canonização

3 - Processos de Canonização

3.1 - Vita Prima

A '''Vita Prima''' - ou '''Vita I''' – é a narrativa que consta do primeiro processo de canonização de Santa Rosa. Dela só foi preservada um pequeno fragmento. Contudo, é de preciosíssimo valor em virtude de ter sido escrita imediatamente após seu falecimento, mediante ordem do Papa Inocêncio IV através da Bula Sic in Sanctis, de 25 de Novembro de 1252, com depoimentos de pessoas que tiveram íntimo conhecimento dela: tal como o pai, Giovanni, e a mãe, Caterina, dona Sita, e, provavelmente, religiosos e populares testemunhas diretas dos eventos.
Diz o fragmento[1]:
1 - Em primeiro lugar, enquanto a virgem acima mencionada estava gravemente doente[2], nem qualquer das pessoas [presentes] lhe dirigia mais a palavra,  começou a ver as almas dos mortos e conhecer aqueles que nunca tinha visto, que tinham deixado a terra trinta ou vinte anos antes que ela nascesse; e nomeava os bons e os maus. Isso ela fez de terça a quarta-feira.
2 - Na noite de quarta-feira, enquanto a mãe da beata [Rosa] virgem e muitas outras mulheres observaram e acreditaram que ela iria expirar a alma, e sua mãe queria dar-lhe algo para comer, a virgem disse à sua mãe: "Eu quero comer, mãe, porque amanhã será a véspera do bem-aventurado João Batista"[3]. E imediatamente levanta-se, com grande alegria, louvando ao Senhor, à Virgem Maria e Sant'Ana, e todos os santos e santas de Deus;  e orou ao Senhor, para conceder o rei da França[4] o poder e a força para eliminar os pagãos [Sarracenos].
3 - E, de repente,  prostrou-se nua no chão, em forma de cruz, chorando, e dizendo para a mãe: "Mãe, todas as coisas e as delícias deste mundo eu te deixo  e renuncio"; e suplicou à mãe  dizendo: "Eu quero, oh mãe, que dona Sita me coloque uma túnica, me cinja com cordões e corte meus cabelos com os de um clérigo". E imediatamente a predita dona Sita dirigiu-se à beata virgem Rosa e lhe disse: "Eu não sou digna filha para fazer o que você diz." E ela respondeu: "A Virgem Maria me ordena que tu me coloque de imediato a túnica de penitência que tens na cabeça de tua cama." E a mesma dona Sita respondeu: "Filha, permita que teus parentes venham  [para a cerimônia]." E a virgem [Rosa] disse: "A Virgem Maria me comandou  que eu  peça a ti. Faça o que eu te disse”.  E a mãe disse: "Não temos uma amarra de asno?". E a mãe fez como ela tinha ordenado. Então, a mencionada dona Sita fez o que lhe ordenou a mesma [Rosa] virgem.
4 - Depois chamou a mãe e disse-lhe: "Mãe  vá e acorde todas as mulheres do distrito".
E era noite. E a mãe disse-lhe: "Filha, quem ficará contigo?". E a virgem [Rosa] respondeu: "O Espírito Santo vai estar comigo." E a mãe foi e seguiu a ordem da beata virgem [Rosa].
5 - Em seguida, todas as mulheres se levantaram e foram até a mesma virgem [Rosa]. E esta disse às mulheres: "Venham todas para fora da casa, porque a Virgem Maria saiu." E elas saíram atrás dela e começaram a sentar-se; e a virgem [Rosa] estava sentada no meio, e começou a dizer às mulheres: "Escutem, porque eu vejo uma bela esposa de Cristo, que nenhuma de vós vedes; esta esposa avança adornada de púrpura e véu, com uma coroa de ouro, cheia de gemas e pedras preciosas em sua cabeça. Ela comanda-me para ir, bem adornada, primeiro em "San Giovanni", em seguida, em "San Francesco"[5], e depois retornar para a "igreja della Madonna"[6]. E fez tudo isso no dia seguinte, como lhe fora ordenado, e sempre, onde quer que fosse, ela carregava uma Maestá[7].
6 - Mas porque uma multidão de pessoas chegava continuamente na casa da dita virgem [Rosa] para ver o que ela fazia, seu pai começou a ameaçá-la, e lhe dizia: “Se você não parar de fazer o que está fazendo eu vou te arrancar todo o cabelo da cabeça”. E a virgem [Rosa] respondeu: “Não me importo, porque por nós foram arrancados todos os pelos da barba de Nosso Senhor Jesus Cristo; e eu não temo de suportar tal sofrimento por Ele”.
E o pai lhe disse: “Se você não parar te deixarei bem amarrada”. E a predita virgem [Rosa] respondeu: “Até nosso Senhor foi preso numa coluna; e eu não temo ser presa por Ele”. E a seu pai, com grande respeito mas com multas lágrimas, dizia: “Não queira contradizer-me, ó meu pai! Se não contradizer-me, o meu Senhor Jesus Cristo te unirá aos anjos e aos santos no paraíso; mas se me contradizerdes, eu farei o mesmo, porque o Senhor me comandou que o faça”. E o pai chorando disse: “Com a benção de Deus, faça então”. E, a beata virgem [Rosa] disse então ao pai, à mãe, à tia, ao sacerdote e aos outros presentes, e à predita dona Sita: “Benza-me em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo”. E as senhoras chegavam continuamente na casa da virgem [Rosa]. E esta foi, com aqueles que estavam com ela, na igreja; e dizia aos outros: “Cada um de vocês vão logo que possível à igreja, e orem por todo o povo cristão”.
7 - Além disto, tendo o nosso Senhor Jesus Cristo aparecido na cruz à mesma virgem [Rosa], esta começou a arrancar os cabelos, a golpear-se na face, a rasgar as vestes, e chorava com grande devoção; e se fez levar à igreja e se ajoelhou em frente ao crucifixo e dizia a Ele, chorando: “Pai, quem te crucificou?”. E, enquanto chorava, alcançou-a um certo senhor G., e a levou para fora da igreja e conduziu-a para casa. E a virgem [Rosa] depois de ser conduzida para casa, flagelou-se por três dias, sempre chorando.
8 - Depois chamou sua mãe e lhe disse: “Mamãe, traga-me um pouco de erva”. E a mãe foi e a levou um pouco de menta. E a beata virgem [Rosa] disse: “Coloque-a sobre meu peito e deixe-a estar”. E a mesma virgem [Rosa] a manteve um pouquinho; e depois a segurou na mão e disse à mãe: "Mamãe, pegue esta erva e tenha-a o quanto mais preciosa, porque o Senhor nosso Jesus Cristo a abençoou sobre meu peito e depois abençoou um lado da casa, que permanecerá no meu monastério”.
9 - Em sequência, enquanto a beata virgem Rosa percorria continuamente a cidade de Viterbo, segurando nas mãos a cruz e louvando o nome do Senhor nosso Jesus Cristo e a Beatíssima Virgem Maria, um indivíduo, que presidia a cidade de Viterbo em nome do imperador Frederico II[8], solicitado por alguns heréticos, que então residiam publicamente na mesma cidade, que a expulsasse da cidade, fez chamar a si a mãe da beata virgem Rosa; e a comandou, sob pena de confisco dos bens e da vida, que se fosse da predita cidade, com toda a família, no dia seguinte. E, depois que a mãe da predita virgem retornou à casa e disse isto à família, como havia ordenado o prefeito, o pai da virgem [Rosa] foi até ele e suplicou-lhe dizendo: “Senhor, tenha piedade de mim e de minha família; porque se sairmos da cidade com este tempo, morreremos todos na neve que recobre os montes e os vales”. A ele respondeu o prefeito: “Eu por isto mesmo vos mando embora, para que morram todos”. E ele retornou para casa, saiu da cidade de Viterbo com a família e suas coisas. E a neve continuava a cair.
10 - E foram para um certo castelo chamado Soriano[9]. E assim que chegaram perto do dito castelo, a beata virgem Rosa começou a dizer, como a ela fora anunciado por um anjo, que depois de alguns dias os amigos de Deus receberiam uma notícia muito importante. E disse isto na vigília de São Nicolau[10]. E não muitos dias depois de que havia predito, chega a Viterbo a notícia que o imperador Frederico II tinha morrido no dia da vigília de São Nicolau.
11 - Depois destes acontecimentos a beata virgem [Rosa] deixou o predito castelo de [Soriano], e se dirigiu a outro dito Vitorchiano[11]. E tendo permanecido a beata virgem... Rosa por três[12]...
(Fim do Documento)






3.2 - Vita Seconda

A '''Vita Seconda''' - ou '''Vita II''' - é a que acompanha o Processo Calistiano, assim chamado por ser resultante dos depoimentos do processo de canonização ordenado pelo Papa Calisto III. Aberto em 1º de Abril de 1457, dois séculos depois da Vita Prima, foi fechado em 4 de julho de 1457, sem chegar a termo, também.
Os biógrafos mais autorizados e hagiógrafos veem, hoje, muitos vícios nesta documentação, com alguns relatos considerados fantasiosos, sem comprovação, ou fidedignidade. O biógrafo Paolo Cenci, v.g., apresenta o texto e faz uma extensa crítica do mesmo[13].
Pietro Coretini[14] apresenta na sequência ao texto da Vita Seconda, que é de autoria anônima, a relação, com resumos, dos depoimentos que foram anexados aos autos do processo com os relatos dos milagres e graças alcançadas pelos depoentes. São mais de uma centena. Foi o primeiro autor que publicou esta relação e os que lhe sucederam tomaram-no como base para escrever suas obras. Mas, o texto de Coretini, como é sabido hoje, é permeado de incorreções, que os autores recentes e pesquisadores procuraram corrigir.
Diz o documento:

Prólogo

1 - Embora as palavras e os exemplos dos santos, como diz Agostinho no livro "A Verdadeira Religião", são as migalhas do pão celestial que desceu do céu com o fim de excitar o coração do leitor, ou ouvinte, ao amor divino e à devoção daqueles santos, que durante o tempo de vida realizaram obras perfeitas, mas podem também dar força para enfrentar a penitência perfeita e árdua, e para implorar a graça da vida eterna. Por isto nosso Senhor Jesus Cristo, no Evangelho segundo Mateus, com razão, ordenou aos discípulos, dizendo: "Recolhei os pedaços que sobejaram, para que nada se perca. (João 6:12)" Da mesma forma, o apóstolo Paulo diz: "Tudo o que foi escrito - implícito: a vida e as ações dos santos - foi escrito para nossa instrução”. Estas palavras mostram claramente como os fiéis devem diligentemente examinar e lembrar as obras dos santos homens e mulheres que vieram antes deles. Elas foram realmente postas por escrito, por inspiração divina, não tanto para a glória daqueles, mas principalmente, por assim dizer, para o ensino e para a correção de vida para todos. Na verdade, como disse Sêneca, falando do costume das pessoas imprudentes: os erros são corrigidos comparando-os com um modelo.
2 - Portanto, os fiéis cristãos ansiosos por corrigir suas vidas para melhor, e alterar seus costumes, devem diligentemente, com uma meditação contínua, examinar as palavras e ações dos santos, e, deixando os costumes depravados, embelezar a alma de virtudes santas, como diante de um espelho, especialmente considerando as obras de virtude, que o Senhor se dignou a mostrar no sexo frágil e em tenras jovenzinhas. De fato, se hoje os homens admiram não apenas as vidas de homens santos adultos e magnificam e glorificam a Deus nas suas ações que foram perfeitas nesta vida por idade e força, e corrigiram e alteraram as próprias vidas seguindo os seus exemplos, quanto mais admirarão a penitência árdua, fé incansável e obras virtuosas das santas donzelas, que, desde a infância, aderiram com coração a Cristo, o Senhor; certamente, muito mais do que a vida dos bem-aventurados apóstolos Pedro, Paulo e André, os quais estavam durante a vida na plenitude da idade e força.
3 - E a razão para isso é que, na natureza, nas criaturas pequeninas, como a abelha, a aranha, a formiga, a sabedoria divina brilha mais do que nas criaturas de grande porte, como no elefante, no búfalo, no camelo. Por isso, Agostinho diz no livro "Confissões": "Admiro a agilidade da mosca mais do que a grandeza do camelo." E assim os homens devem admirar as penitências muito severas das santas donzelinhas, as quais nesta vida eram pequeninas por natureza, ou seja, considerando-se a idade e a massa do corpo, e louvar o Senhor Todo-Poderoso em suas ações, e corrigirem a vida e tornarem-se melhor.
Capítulo Primeiro – Santa Rosa nasce em Viterbo.
4 - Entre outras santas virgens, das quais hoje não é difusa a fama, foi uma certa virgem chamada Rosa, que graciosa e cheia de orvalho celeste, nasceu no jardim de Viterbo; e tornou-se digna do nome pela virtude e santidade. Porque, de acordo com a norma, deve o nome  ser adequado à coisa, isto aconteceu plenamente na virgem Rosa. Na verdade, como a rosa supera em beleza as flores primaveris, assim a virgem Rosa está acima de todas as outras virgens. Ela está acima das pessoas casadas ​​e dos que observam a continência, pelo menos pela candura da virgindade, sendo sua vida mais feliz do que a daqueles. Portanto, como a rosa se destaca entre todas as outras flores, de tal modo a virgem Rosa excede em muito as outras pela santidade.  A rosa fere os olhos com sua imensa beleza, enquanto que com o seu perfume difuso agrada os outros membros; deste modo, a virgem Rosa com a santidade nutre os cristãos que olham para ela. Mesmo agora, com a suavidade de todas as outras virtudes alimenta todos os saudáveis. Ela morreu no tempo de Sua Santidade, o Papa Alexandro IV. (Nota).
Capítulo Segundo – Narrativas em torno de Santa Rosa
5 – Primeiramente, para honra do Esposo celestial, que se deleita e se alimenta entre lírios de candura virginal, cercado por uma multidão de virgens donzelas, ao qual esta santa virgem, desde a infância, foi unida em castíssimos abraços; de modo a honrar e louvar esta mesma virgem Rosa, em sua memória e fama, contarei algumas coisas, que encontrei em alguns documentos antigos, relatados por pessoas devotas e dignas de fé, e fielmente escritas, uma vez que estas pessoas declararam ter visto e ouvido da boca da citada virgem Rosa. Por isso, vamos, na medida do possível, narrar no presente livro a santidade e milagres da bem-aventurada virgem Rosa, a fim de que, não considerados cuidadosamente não sejam esquecidos por aqueles que os conhecem, pela obscuridade que vem da passagem do tempo, uma vez que a memória do homem torna-se fraca e desaparece, como o moralista Sêneca ensina: "a memória esquece aquilo que não repensa frequentemente".
6 - Portanto, nós fazemos um esforço para contar a maravilhosa vida dessa virgem, para que não escape à posteridade; a fim de que sendo conhecida através da leitura desses escritos seja amada, amada seja estimada, e estimada atraia a imitação daqueles que são constantemente atormentados pela busca da felicidade. Na verdade, se tivesse permanecido oculta, ela seria ignorada; e ignorada não haveria nem a imitação nem o desejo; porque não podemos imitar aqueles que não conhecemos, como ensina Agostinho: "O estranho não é amado; mais uma coisa é amada e mais é estimada", ou como Boécio diz: "Quem pode desejar o que ignora?". E ainda qual tal moralista: "O que está escondido é desconhecido, e a coisa desconhecida não pode ser cobiçada". Eu reconheço que não posso sequer enumerar todas as virtudes, os sinais e maravilhas que o Nosso Senhor Jesus Cristo condescendeu realizar por méritos da bem-aventurada Rosa, mesmo se todos os membros do meu corpo se tornarem línguas, no entanto, temos tantas dessas coisas que nós descrevemos algumas, aqui.
Capítulo Terceiro – A virtude dos santos
7 – O Eterno Criador de todas as coisas, como ensina o apóstolo, predestinou os eleitos antes que o mundo fosse, e somente pela graça, sem necessidade de méritos precedentes, chamou os predestinados ao seu reino. E esta graça, nos santos e eleitos, manifestou-se em alguns antes que saíssem do seio materno, como em Jeremias e em João Batista, que exultou no seio materno quando a ele foi o Senhor; em outros manifestou-se no primeiro instante, como aconteceu ao bem-aventurado Nicolau, que permaneceu em pé em uma bacia no dia em que nasceu e tomava o leite duas vezes por semana; em certos outros a graça manifestou-se na infância, como sucedeu com as bem-aventuradas Agnes e Agatha e muitos outros, os quais suportaram o martírio em idade muito precoce, como também, embora de uma forma diferente, foi manifestada nesta virgem Rosa, que, como mencionado nos documentos acima, desde a sua infância preparou ao Senhor uma habitação muito deliciosa, e tanto Lhe foi agradável, que com a idade de três anos, ressuscitou dos mortos uma tia morta de um dia.
Capítulo Quarto – A infância de Rosa e sua doença
8 - Durante a infância esta virgem começou a frequentar a igreja com a devota mãe, a ouvir frequentemente a pregação dos Frades Menores e entender a Palavra de Deus com devotada meditação. E então começou a desprezar o mundo e os divertimentos mundanos, a evitar a avareza gananciosa, a abominar fortemente os prazeres da carne. Também começou a amar Jesus Cristo, com toda a sua mente, a contemplá-Lo e unir-se a Ele de todo o coração, e assim renunciar simples e irrevogavelmente ao mundo, ao diabo e todas as suas vaidades. Ela começou a dominar o seu corpo com o jejum, a renunciar a comida para doá-la aos pobres.
9 - Na sequência, fazendo-se sentir sobre ela a mão do Senhor, começou a sofrer de uma languidez grave e prolongada; durante esta doença, estando já os espectadores acreditando que ela estava perto da morte, de repente, abriu os olhos, e começou a falar. Aos circunstantes dizia ver o estado bom ou ruim daqueles que morreram. Percebia muito claramente, referindo os nomes, algumas irmãs, que tinham morrido vinte anos antes de seu nascimento, e que ela nunca tinha visto. Assim, pois, deitada na cama, doente, a virgem Rosa, quase uma flor, apareceu-lhe a gloriosíssima Mãe de Deus adornada de muitas joias, e decorada, como esposa belíssima, coroada e cercada por todos os lados de um coro de virgens. Ao vê-la, a virgem Rosa disse àqueles que estavam ao seu redor: "Como estais tão descuidados e por que tanta demora em levantarem-se diante dela? Levantem-se logo! Corramos!".
10 - E logo saiu da cama e com as pessoas presentes saiu de casa e foi se encontrar com a Rainha Mãe de Deus. E a Virgem Maria, perfumada de lírios, lhe disse docemente: “Ó Rosa, que despontastes como um rebento entre outras flores virginais, guarda-me com os olhos da mente, e, a meu exemplo, não tarda em ornar-te; e assim ornada e em companhia de honestas mulheres, visita devotamente a igreja do precursor João Batista, e do pobrezinho confessor Francisco. Finalmente te portarás até a igreja de Santa Maria in Poggio; onde, durante a missa receberás a tonsura do cabelo, e, despojada das vestes e ornamentos mundanos, revestida de cilício e na cintura a corda de teu burrico, celebrarás as núpcias com o supremo Esposo: realiza estas coisas devotamente louvando a Deus, e assim que vestir o hábito da penitência, retornarás à casa paterna, e ali, vivendo santamente, dedicar-te-ás à oração e aos louvores divinos. Farás fervorosas exortações ao próximo, repreenderás os insolentes e aqueles que se desviaram do reto caminho da fé, com força e coragem, deixando de lado todo medo. E se por isto tiver que suportar censuras e desconforto dos pais, dos parentes ou de estranhos, não deixe de suportá-los pacientemente. Porque por estas coisas ganharás o mérito, e depois do mérito conseguirás o prêmio eterno.  Aqueles pois, que venham segui-la, receberão graças de Deus, vida eterna e favores; aqueles que, ao contrário, te combaterem ou desprezarem, assim permanecendo até o fim, receberão penas cruéis. E a Virgem Maria tendo dito estas coisas, desapareceu.
Capítulo Quinto - Aparição de Jesus a Santa Rosa
11 - Depois de ouvir da Virgem Mãe as coisas mencionadas acima, a virgem Rosa, no dia seguinte, executou o que a havia sido ordenado. Poucos dias depois apareceu-lhe Jesus na cruz. Esta visão e cruel espetáculo, atormentou-a de uma dor e compaixão imensas, ferindo-a de tal forma a alma, que por muitos dias não deixou de bater-se no peito, puxar os cabelos e lacerar-se em outros membros. A partir daí tornou-se hábito portar no peito as imagens de Jesus crucificado e da gloriosa Virgem Maria; e, uma vez que o amor não permite que a mente do amante descanse, durante a noite ela se levantava da cama e percorria as ruas e praças da cidade, cantando com doce voz louvores divinos.
Capítulo Sexto - Os pães transformados em rosas; os pássaros que voam sobre ela; a restauração da jarra quebrada
12 - A virgem acima mencionada era tão cheia de piedade e misericórdia para com os pobres de Cristo que uma vez, saindo de casa para levar pão para os pobres, como costumava fazer, a pedido de seu pai, que perguntou o que ela estava escondendo ao peito, ela, obedecendo prontamente, abriu seus braços e seu colo apareceu cheio de rosas multicoloridas.
13 – Da mesma forma, continuando a benevolência divina para com ela, os pássaros iam até ela enquanto comia e bicavam em seu peito as migalhas de pão. Esta virgem, cheia de tanta graça de Deus Todo-Poderoso, foi um dia, com outras garotas de sua idade, à fonte pública para apanhar água com a jarra, como é costume. Aconteceu que uma delas quebrou a jarra que portava consigo, em muitos pedaços. A bem-aventurada Rosa foi repreendida pelos pais da garota porque esta dissera falsamente que Rosa, brincando, havia causado o acidente.  Eles foram ao local onde se encontrava a jarra quebrada, e, recolheram os pedaços e fragmentos, a citada virgem creditou ao onipotente Deus que provasse sobre a jarra as suas virtudes, fazendo que todos os pedaços e fragmentos retornassem ao seu lugar, como se a jarra nunca estivera quebrada. E assim, por graça de Deus onipotente, a jarra foi devolvida íntegra e sanada à garota, sem nenhum dano ou defeito, por mérito da dita bem-aventurada Rosa.
14 - Por estes méritos da virgem mencionada, conseguiu que uma vez, quando uma vizinha a havia roubado uma ótima galinha e o negava, a justiça do Deus supremo fez aparecer visivelmente na bochecha direita desta algumas penas da cor da galinha roubada; a mulher, atingida pelo fato extraordinário, confessou para a virgem Rose, sua vizinha, o furto da galinha; e assim, de modo miraculoso, subitamente as penas desapareceram de seu rosto. Por estas maravilhas e milagres, acreditava-se que a virgem Rosa, tendo vivido, se tornaria uma santa, havendo o Deus supremo distribuído a ela tanta graça.
Capítulo Sétimo - Como a bem-aventurada Rosa lutou contra os hereges
15 - Com simplicidade de coração, pregava Jesus Cristo todos os dias para as pessoas, proclamando aos bons os bens eternos, e aos maus os tormentos eternos.
Combatia, pois, vigorosamente os heréticos e refutava suas heresias com argumentos claros. Repreendia suas falsidades, e de forma muito clara demonstrava aos ouvintes as falsas aparências dessas heresias, de modo que tudo parecia óbvio, como o era, que o Espírito Santo falava através dela, porque tudo o que os santos disseram de Deus, o disseram pela boca do Espírito Santo. Mas os hereges, que então pululavam em Viterbo como joio no meio do trigo, começaram a estremecer contra a virgem como cães raivosos, e com ameaças ordenaram-na que não mais falasse das verdades da fé. Mas a virgem de Cristo, fortalecida do amor de Deus e com o apoio da fé, desprezando as ameaças e deixando de lado todo o medo, anunciava contra eles a palavra de Deus com confiança, afirmando estar pronta a dar a vida para promover e defender a fé católica, de boa vontade.
16 - Os tolos e pérfidos hereges, ouvindo isso, foram até o prefeito, que na época governava Viterbo em nome do herético Imperador Frederico, e convenceram-no de que, se ele não expulsasse da cidade de Viterbo a ela e seus pais, a população daquela cidade se sublevaria contra ele, tal revolta seria seguida de ultraje, e até a sua deportação. Ao ouvir isso, o prefeito enviou seus homens e ordenou à virgem Rosa que se apresentasse ao tribunal com seus pais e partir para o exílio. Depois que se apresentaram, ordenou imediatamente, sob pena de morte e confisco de bens, que saíssem da cidade. Quando ouviram uma ordem tão grave e vendo as dificuldades do tempo, por causa da neve e do frio, pediram que mitigasse a ordem lhes concedessem esperar até que cessasse a inclemência do tempo, "Porque - eles disseram - se sairmos agora, estaremos em perigo de morte iminente". Mas o prefeito raivoso renovou a ordem, dizendo querer que partissem imediatamente para que não fugissem da morte. Os pais da virgem Rosa, incapazes de escapar do comando, deixaram a cidade, e caminharam durante todo o dia através da aspereza das colinas do Monte Cimino e dos vales do mesmo monte cobertos de neve.
Capítulo Oitavo - Como previu a morte do Imperador Frederico
17 – No dia seguinte em que chegaram em Soriano. Aqui residindo a virgem Rosa com seus pais, numa visão noturna recebeu por meio de um anjo uma mensagem divina; pela manhã, então, revelou ao povo: "Ouve, ó fiéis cristãos, e alegrem-se confiantes, porque em poucos dias conhecerão novos troféus". Esta premonição foi feita pela virgem Rosa na vigília de São Nicolau. Depois de alguns dias, chegou a Viterbo a notícia de que o herege Imperador Frederico, que perseguia a Igreja de Deus, morrera no dia de São Nicolau.  A Santa Madre Igreja ficou, então, animada pela morte de tão grande perseguidor, e a profecia da virgem Rosa provou ser verdadeira e comprovada.
Capítulo Nono - Como a bem-aventurada Rosa restituiu a visão de uma menina cega
18 – Em seguida, deixando o castelo acima referido com seus pais, Rosa, a virgem de Cristo, foi para Vitorchiano, e ficou lá por alguns dias. Os homens e as mulheres deste castelo, tendo ouvido da sua santidade, a acolheram com alegria e devoção; e esta, em sua simplicidade, exortou-os com palavras simples a deixar os vícios e adquirir bons costumes e virtudes santas. Eles, então, ouviram devotamente, e cada dia recebiam dela advertências para a salvação eterna. Naquele tempo, vivia no castelo uma garota chamada Delicata, que era cega de nascença. Seus pais a levaram até a virgem Rosa suplicando que orasse por ela, e, com a sua oração, tão querida por Deus, desse-lhe a visão que lhe faltava. A virgem Rosa comovida por suas súplicas pôs-se a orar; e depois de haver orado se levantou, e colocando as mãos sobre a menina, esta passou a enxergar.
Capítulo Décimo - Como a bem-aventurada Rosa se jogou no fogo e lá permaneceu ilesa para confundir uma herege e conduzi-la de volta à fé
19 – Também, no mesmo castelo de Vitorchiano de que falamos, havia uma pérfida herege, que investia todos os dias contra a fé católica, e se opunha às palavras da virgem Rosa o quando podia; mas a virgem Rosa, cheia de fé, golpeava com as flechas de verdade a mencionada herética, e disputando e argumentando a refutava com raciocínio claro. E o que mais? Porque aquela não queria convencer-se mesmo assim, a bem-aventurada virgem Rosa decidiu convertê-la com fé que tinha, isto é, com jejuns prolongados a fim de que a herege se arrependesse, não sendo possível obter com meios naturais. Então, se ofereceu em jejuar durante vinte dias, durante os quais não ingeriu qualquer alimento, mas, em virtude da fé, permaneceu incólume de qualquer dano. Mas a herética respondeu: "Os lobos e os grous passam muito tempo sem comer, mas mesmo assim vivem: como a natureza lhes concedeu isto, pode fazer a mesma coisa contigo".
20 - A fiel virgem de Cristo vendo que não podia converter aquela herética da sua infidelidade nem com palavras racionais ​​nem com eventos extraordinários, fez preparar uma grande fogueira e pediu aos sacerdotes que tocassem os sinos, de modo que a população se reunisse para testemunhar o espetáculo, e, confiante na bondade de Deus, por cuja fé e lei lutava, se jogou no meio do fogo, e depois de estar rodeada totalmente pelas chamas, ali permaneceu tanto tempo quanto necessário para que o fogo se extinguisse completamente. Ao fim, saindo de lá caminhando ilesa na frente da herética, na presença de todo o povo do castelo citado, sem queimaduras na roupa e no corpo, como se houvesse estado entre flores frescas, disse em voz alta: "Deixa de lado a sua infidelidade e apresenta-se com obsequiosa devoção à lei divina". A má herética, espantada com tão grande milagre, abandonou a infidelidade, e se converteu plenamente à fé de Cristo; e assim, todas as pessoas presentes irromperam em louvor ao Altíssimo, dando graças a Jesus Cristo, que tinha conferido tanto poder à virgem Rosa.
Capítulo Décimo Primeiro - Como a bem-aventurada Rosa deu visão a um cego
21 - Uma vez, um sujeito de nome Andrea, que era cego há muito tempo, suplicou à virgem Rosa que intercedesse por ele junto ao Senhor. E ela, que era de bom coração, movida pela compaixão do pobrezinho, voltou-se a Deus orando por ele. Depois de orar, foi-lhe restituída à visão, da qual fora privado.
Capítulo Décimo Segundo - Como previu o que aconteceria com aquele que a feriu
22 – Um tal, incrédulo e furioso, e bastante precipitado nas palavras e obras, atingiu um braço da virgem, enquanto ela falava das coisas divinas. Dirigindo-se ele, a virgem predisse: "Em três dias irá aparecer em seu corpo um sinal claríssimo, que te fará distinto de outros homens." Aconteceu exatamente assim: de fato, ao chegar o terceiro dia caíram todos os cabelos da sua cabeça e barba, e de todas as outras partes do corpo, que o fez parecer um monstro horrível, em vez de um homem.
Como ocorreu que o corpo da bem-aventurada virgem Rosa foi transferido para o monastério, onde se encontra agora
23 - E porque a serva de Deus era desprezada pelo mundo, porque ela havia desprezado ganhar Cristo,  ao qual só pode ser alcançado através da humilhação, enquanto ela ainda vivia, e estava na casa de seu pai, foi até o monastério, onde agora se encontra o seu cadáver, e pediu que as freiras a aceitassem entre elas, de modo que entre as virgens sagradas, essa mesma virgem, após a morte, se juntasse ao Esposo que ardentemente amava, ou seja, ao Senhor Jesus Cristo. Porque as irmãs responderam que não podiam recebê-la, sendo em número completo, a santa virgem disse-lhes: "Eu sei que esta não é a causa, mas, porque em mim desdenhastes aquilo que Deus aceita totalmente, a saber, que por Seu amor os sábios deste mundo são tolos a fim de tornarem-se sábios. De fato, a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus. Mas, vós deveis saber que ficarão felizes um dia em receberem morta aquela que desprezaram em vida; e, de fato, ficarão”.
O que mais? Aconteceu que a santa virgem morreu e foi sepultada na igreja de Santa Maria in Poggio, onde permaneceu por dezoito meses. E imediatamente ela começou a brilhar por milagres. E porque era conveniente que o mundo honrasse na terra aquela que Deus havia glorificado no céu, e, além disso, para cumprir a profecia que fizera a respeito de sua sepultura, no prazo de oito dias, ela apareceu três vezes ao Sumo Pontífice, o Papa Alexandre IV, que estava então em Viterbo com sua corte, dizendo-lhe em uma visão: "Uma vez que aprouve a Cristo contar-me na fileira de suas servas, vós que sois Seu representante na terra não faça diferente, mas vá direto para a igreja de Santa Maria in Poggio, retira meu corpo e leva-o para o monastério de Santa Maria, da Ordem de Santa Clara, pois ali deve ser o lugar do meu repouso".
24 - O papa negligenciou o primeiro e o segundo convite, mas no terceiro aviso, ele percebeu que era intervenção milagrosa. De manhã, levantou-se cedo e, acompanhado por quatro cardeais, foi pessoalmente transportar para o mosteiro que lhe tinha sido dito, e tomou por ela tanta devoção que, como ele mesmo disse às religiosas, tê-la-ia canonizado se não tivesse que retornar a Roma.
Após a exumação do corpo sagrado, muitos disseram que em sua tumba tinha sido encontrado como que um óleo perfumado.
25 - À medida que todos nós seremos salvos mediante a fé, e por meio da fé nós esperamos a vida eterna, adoremos com fé inabalável aquilo que Sagrada Escritura fala de Jesus Cristo, nosso Senhor, prestemos pois íntegra fé na narrativa do sagrado unguento do corpo dos santos; e entre outros santos, acreditemos firmemente que a santidade da virgem Rosa, demonstrada por estes milagres, a fim de que imitando-a enquanto estamos vivos, e depois da morte, por sua intercessão junto a Cristo, nosso Senhor Jesus Cristo vai dignar-se em dar-nos a vida da eterna felicidade .

(Fim do Documento)


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[1] Tradução nossa da versão em italiano em Paolo CENCI (1981).
[2] Seria interessante, neste momento, a leitura do capítulo “Reconhecimento Canônico de 1995”, onde se relatam as descobertas científicas sobre sua condição física e o fato, por si mesmo milagroso, de alguém ter sobrevivido durante tanto tempo. Provavelmente, Rosa encontrava-se em coma profundo, pois, antes de ter despertado neste dia, não respondia aos estímulos dos circundantes.
[3] Isto transcorreu na véspera do dia 24 de Junho de 1250, quando se comemora a Festa da Natividade de São João Batista. São João tem outra memória no Martirológio Romano no dia 29 de Agosto - Dia do Martírio de S. J. Batista -, quando se rememora sua decapitação a mando do Rei Herodes.
[4] Luis IX de França, ou São Luis.
[5] As igrejas de São João e São Francisco são mais conhecidas, hoje, sob os nomes de "San Giovanni in Zoccoli" e "Basilica di San Frascesco alla Rocca".
[6] A "Igreja della Madonna" é a de "Santa Maria in Poggio", e era a igreja paroquial de Rosa.
[7] Maestà é dito de uma imagem de Jesus ou de Nossa Senhora entronados.
[8] Frederico II de Hohenstaufen:  Imperador do Sacro Império Romano e sobrinho de Frederico I, o Barbarossa.
[9] Soriano nel Cimino, Itália, Província de Viterbo.
[10] São Nicolau de Mira. Isto ocorreu de 5 para 6 de Dezembro, pois a Festa de São Nicolau é no dia 6 de Dezembro.
[11] Comune di Vitorchiano. Itália, Província de Viterbo.
[12] O documento finda com esta frase incompleta.
[13] CENCI, 1981, pg 183-197.
[14] CORETINI, 1638, Libro Quarto.

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