domingo, 4 de setembro de 2016

4 - O Corpo Incorrupto de Santa Rosa de Viterbo


4 - O Corpo Incorrupto de Santa Rosa

Com a morte de Rosa em 6 de Março de 1251, seu corpo foi sepulto em terra nua no cemitério paroquial da Chiesa di Santa Maria in Poggio. Dezoito meses depois, o Papa Inocêncio IV ordenou a abertura do processo de canonização e seu corpo foi exumado e sepulto novamente no interior desta igreja, onde permaneceu por seis anos.

URNA COM O CORPO INCORRUPTO DE SANTA ROSA DE VITERBO


Em 1258 o Papa Alexandre I ordena, novamente, a exumação do corpo. Segundo alguns biógrafos, e a tradição, em virtude dos sonhos, ou visões, em que Rosa lhe aparecia fazendo-lhe o pedido seu corpo fosse sepultado no monastério onde se encontra, hoje.  Este é encontrado, ainda, em perfeito estado de conservação, como se a santa acabasse de falecer. Este pontífice, então, em vista das demonstrações de afeto e devoção dos viterbenses para com sua concidadã, em 4 de Setembro de 1258 faz transferi-la, em solene procissão pelas ruas da cidade, oficiada por si mesmo, e sendo o corpo de rosa carregado por 4 cardeais, seguidos da corte papal, autoridades, e da população, em festa.
O corpo ficou exposto ao contato direto da população durante os séculos que se seguiram, quando era permitido aos devotos beijar-lhe as mãos.
Foi submetido a diversos reconhecimentos canônicos e estudos científicos: os últimos em 1921, 1962 e 1995.

Em 1921, foi feito reconhecimento interno, quando se constatou o ótimo estado de órgãos, particularmente o coração, que, íntegro, mas reduzido em tamanho, foi extraído e posto num relicário.



O CORAÇÃO DE SANTA ROSA DE VITERBO


Em 1995, uma equipe liderada pelo Professor Ruggero D'Anastasio da Facolta di Medicina dell'Università G. D'Annunzio, laureado em Ciências Biológicas pela Università degli Studi dell’Aquila, e PhD em Paleopatologia pela Università Cattolica del Sacro Cuore, em Roma, procedeu a minuciosos exames com as mais apuradas técnicas e equipamentos médicos.
Revelou-se que Rosa era portadora de uma raríssima doença, causa de mortalidade em idade neonatal: Agenesia Total do Esterno, uma má formação da parede torácica que deixa o coração e os grandes vasos desprotegidos e cobertos apenas pela pele. Afirmam ser o primeiro caso conhecido na ciência, antiga e moderna, em que esta rara enfermidade foi observada em uma pessoa de 18-20 anos de idade.
Afirmam que a Agenesia Total do Esterno é uma condição rara na população moderna, e a maioria dos casos é associada com condições congênitas fatais, como a Anencefalia ou a Pentalogia de Cantrell, e que a literatura menciona somente alguns casos desta má-formação em neonatais, entretanto, todos os casos resultaram em óbito depois de poucas semanas do nascimento.



4.1 - A Palavra da Ciência

A seguir o resumo do laudo resultante do Reconhecimento Canônico[1], em 1995:

O Corpo de Santa Rosa de Viterbo
Reconhecimento, intervenção, investigação e conservação[2]
(...)
O Corpo de Santa Rosa sofreu, portanto, um processo de mumificação natural e sua excelente condição, evidentemente, indica que a desidratação dos tecidos ocorreu suave e imediatamente após a morte, de modo a não desencadear processos de putrefação substanciais.
Em 1995, as autoridades eclesiásticas solicitaram a intervenção do Laboratorio di Antropologia del Ministero per i Beni e le Attività Culturali para ver alguns sinais de degradação no corpo mumificado e planejar intervenções de conservação. Efetivamente o exame macroscópico das superfícies do corpo mumificado evidenciou a presença de pequenas formações esbranquiçadas nas quais foi recolhido um pó amarelado muito fino, e pequenas protuberâncias em forma de botões.
A análise microscópica das lesões superficiais, executadas no local mediante um estereomicroscópio, conjuntamente à análise química elementar do pó, mostrou que a camada de nitrocelulose e de cera, antigamente aplicada à pele em ocasiões de restaurações anteriores (feito pelo Dr. Pietro Neri em 1921 e mais tarde pelo Dr. Osvaldo Zacchi em 1962), estavam se deteriorando. Além disso, também os controles microbiológicos foram negativos.
Em conclusão, a deterioração do corpo mumificado era relativa apenas às substâncias artificiais aplicadas à superfície e o tratamento de conservação implicou somente na remoção do revestimento de tinta de cera mediante calor e meios mecânicos, fazendo retornar à pele original de Santa Rosa, apesar disto perfeitamente conservada[3]. O reconhecimento científico iniciado em 1996 com o único propósito de praticar uma intervenção de conservação foi uma oportunidade de reunir numerosas informações de caráter antropológico e paleopatológico mediante aplicação das mais modernas técnicas de investigação.
Métodos
Do ponto de vista antropométrico, o comprimento máximo do corpo mumificado, tomado do vértice à ponta do dedão direito é de aproximadamente 137 cm. Naturalmente, o comprimento atual do corpo mumificado é diferente da estatura em vida de Santa Rosa: de fato, as curvaturas naturais da coluna vertebral assumidas por ocasião sepultamento, e a desidratação dos tecidos moles associados às articulações conduziram a um encurtamento significativo do corpo.
A estatura em vida foi calculada pelas fórmulas de regressão de Trotte & Glesser (1956, 79-123) e, por comparação, às elaboradas por Olivier et al. (1978, 513-518), a partir do comprimento total dos ossos longos tomados de suas radiografias. Em particular, a reconstrução da estatura em vida foi levada a cabo a partir do comprimento da tíbia direita, a qual, durante a radiografia da perna, encontrava-se num plano paralelo ao da placa fotográfica: assim foi obtida uma radiografia de contato, que não alterou a extensão do comprimento da tíbia. Ulteriores dados antropométricos foram extrapolados a partir da medição das várias partes dos membros e do tronco, tal como determinado por Kriussmann (1988, 232-285); também foi efetuado o cálculo do crâneo segundo o índice de Broca.
Do ponto de vista antropológico, a determinação do sexo resulta evidente na avaliação das características sexuais dos órgãos moles externos, a apuração do corpo mumificado, no entanto, foi acertada radiograficamente, através da avaliação das características sexuais esqueléticas (Ferembach et al. 1977-79 , 5-38), que são distintamente femininas.
Mesmo a determinação da idade da morte foi realizada a partir de exames radiográficos do crânio e do tronco (Ferembach et al., 1977-1979, 5-38).

O coração de Santa Rosa removido em 1921 e mantido em um relicário separado doado pelo Papa Pio XI foi submetido a exames radiográficos através da abertura feita pelo Dr. Neri para a sua remoção, e, em seguida, submetido a um exame endoscópico.

A documentação sobre o estado de conservação da superfície cutânea e a micromorfologia de lesões superficiais foi efetuada utilizando-se um estereomicroscópio suportado por uma armação especial criada temporariamente sobre o corpo: deve ser considerado que as investigações foram realizadas sem retirar o corpo do Monastério de Santa Rosa, observando-se as prescrições pontifícias, por isso mesmo todos os exames radiográficos foram realizados utilizando-se equipamentos radiológicos portáteis, seja para uso veterinário ou humano.

Para avaliar a presença de eventuais atividades biológicas dentro do corpo mumificado, ligada à presença de insetos xiloboros, foi efetuado um exame endofonográfico, com base em uma gravação profissional levada a cabo durante um período de dez horas (feita durante a noite) a baixa velocidade mediante fonoregistrador em cuja entrada foram aplicados dois microfones ajustados para profundidade média. Os microfones foram ligados diretamente sobre na pele, nas regiões mais afetadas por lesões. A análise química dos pós, realizada com métodos para via húmida, foi realizada no Laboratório de Antropologia, enquanto os testes microbiológicos, realizados quer por observação direta ao microscópio ótico de esfregaços obtidos a partir dos pós ou através de culturas em meios específicos, foram realizados no Istituti Biologici dell’Università Cattolica del Sacro Cuore di Roma.

Antropologia

De um ponto de vista antropológico, é evidente a partir da análise das características sexuais dos órgãos externos, que o corpo mumificado pertence a um indivíduo do sexo feminino. Este dado é confirmado pelo estudo das características sexuais secundárias do crânio e pélvis, confirmados por radiografia.

A estatura em vida calculada pelo método de Trotter & Gleser (1958, 79-123) resulta ser 155,49 cm (+/- 3,66 cm); um valor analógico é obtido pelo método de Olivier (1978, 513-518), com o qual se obtém uma estatura em vida de 154,92 cm (+/- 3,85 cm). Por isso, é verosímil admitir a estatura em vida de 154,92 cm (+/- 3,85 cm; valendo recordar que é a altura média das mulheres europeias, segundo reportado por Knussmann (1988, 232-285) se atesta em torno desse valor).

Com base na detecção das principais medidas antropométricas segundo os ponti di repere de Knussmann (1988, 232-285), as proporções gerais do corpo foram avaliadas através do cálculo dos principais índices somáticos.

Independentemente da idade da morte, as radiografias do crânio e membros mostrou os terceiros molares ainda não irrompidos e a presença de linhas metafisárias dos ossos longos ainda ativas; tais características do esqueleto correspondem a uma época de morte entre 18 e 21 anos, o que confirma os dados históricos.

Paleopatologia

Do ponto de vista paleopatológico, o exame da pele mostrou a presença de uma cicatriz na face exterior do braço esquerdo; o diagnóstico é confirmado por um fato histórico relacionado a uma lesão que Santa Rosa obteve durante o assédio da tropa de Frederico II à cidade de Viterbo[4].

O exame radiográfico dos membros mostrou a presença de linhas de Harris incompletas no nível inferior da metáfise da tíbia e da metáfise distal do fémur, devida à lentidão do crescimento ósseo em comprimento.

A radiografia de tórax demonstra o excelente estado de preservação dos órgãos internos. Por exemplo, é perfeitamente visível a sombra hepática localizada imediatamente acima da borda inferior do arco costal direito. Mas, acima de tudo, a mesma radiografia destaca a ausência do esterno e a posição curvada das clavículas com extremidades mediais muito rebaixadas. Na sequência da descoberta de vestígios de manipulações anteriores do corpo mumificado como, por exemplo, a presença de um trocarte na cavidade oral e, naturalmente, a abertura acima mencionada, sobre a face frontal do hemitórax esquerdo. Pensamos que a ausência do esterno era devido a uma manipulação. Por esta razão, procedemos à reabertura da velha incisão toráxica realizada pelo Dr. Neri em 1921 para a remoção do coração, e foram examinadas as terminações laterais por endoscopia. Ficou demostrado desta maneira o que as terminações laterais são arredondadas não apresentando vestígios de manipulações anteriores, o que mostra que estamos lidando com um caso de ausência do esterno, uma doença extremamente rara na população humana.

Foi recentemente autorizado o estudo do coração de Santa Rosa; a análise morfológica radiográfica do coração pôs em evidência uma anomalia grave e complexa: o coração tem uma ponta bífida, uma assimetria pronunciada do septo interventricular, e, como mostrado na radiografia, está presente uma massa radiopaca da extremidade distal do septo interventricular, que provavelmente corresponde a um hamartoma. As razões correspondentes aos átrios não são visíveis, porque provavelmente completamente colados.

Este novo dado coloca a ausência congênita do esterno como parte de uma malformação mais complexa da linha mediana, cuja singularidade reside no fato de ser encontrado em uma pessoa que conseguiu sobreviver até 18 anos. A literatura patológica atual registra pouquíssimos casos de agenesia total do esterno e todos, no entanto, observados em pessoas portadoras simultaneamente de outras graves anomalias e malformações; deduz-se que a agenesia do esterno, para os casos conhecidos na literatura, não é compatível com a vida, e todos os casos observados, como apareceram associados a outras malformações, levaram à morte dentro de poucas semanas, no máximo.

Santa Rosa de Viterbo representa o primeiro caso de um indivíduo, antigo ou moderno, que conseguiu sobreviver por até 18-20 anos de idade, com Agenesia Total do Esterno. (grifo nosso)

Reconstrução facial



RECONSTRUÇÃO FACIAL DE SANTA ROSA DE VITERBO

A reconstrução da aparência facial de Santa Rosa de Viterbo foi realizada de acordo com metodologia de Rhine e Campbell (1980); uma técnica experimentada muitas vezes no passado. Antropologia Forense e em Medicina Legal (Iscan e Helmer, 1993), baseia-se na aposição dos tecidos moles na superfície do osso, levando em consideração a espessura diversa nos vários pontos anatômicos. A partir da radiografia do crânio em projeção ântero-posterior e látero-lateral foi possível reconstituir o perfil de Santa Rosa e o delineamento de seu rosto.
A reconstrução do aspecto Santa Rosa ocorreu tendo em mente os dados antropológicos relativos à idade no momento da morte, e também pela cor do cabelo, o estado dos dentes, cartilagens (bem preservadas). Finalmente, foi adicionada roupa, tal como sugerido pelas fontes históricas.









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[1] Tradução nossa do artigo publicado no site da Parrocchia San Francesco a Viterbo. Acessível em http://www.sanfrancescoviterbo.it/jsite.
[2] Os artigos publicados nas revistas científicas internacionais, resultantes dos procedimentos podem ser aferidos em:
a)       D’Anastasio R., Capelli A.,Caramiello S., Capasso L., Paleopathology of the mummy of Santa Rosa from Viterbo (Central Italy, XIII Century AD). Proceedings of the XIIIth European Meeting of the Paleopathology Association, 18-23 settembre 2000, edited by Mirella La Verghetta and Luigi Capasso, Edigrafital S.p.A., Teramo, 2001.
b)      CAPASSO, Luigi; CARAMIELLO, Salvatore; D'ANASTASIO, Ruggero. The anomaly of Santa Rosa. The Lancet, v. 353, n. 9151, p. 504, 1999.
c)       CAPASSO, L.; CARAMIELLO, S. The absence of the sternum in the mummy of Santa Rosa da Viterbo (central Italy, XIII century AD). Paleopathology newsletter, n. 107, p. 9-11, 1999.
d)      D'Anastasio, Ruggero et al. The Heart of Santa Rosa. The Lancet , Volume 375 , Issue 9732 , 2168
[3] Curiosa, e aparentemente, o corpo não reagiu bem à aplicação de tais elementos estranhos, razão pela qual foram removidos, voltando o corpo a ser apresentado no seu estado natural. 
[4] Tal fato, reportado no Processo Calistiano  (Vita Seconda) e relatado em algumas biografias sempre cercou-se de algum mistério, e parece, agora, ter sido elucidado. Refere-se a uma flechada que uma adolescente sofrera durante uma batalha - mas nunca fora confirmado se foi realmente Rosa, pois esta era muitíssimo jovem na ocasião do cerco das tropas de Frederico II.  A descoberta deste ferimento no corpo de Rosa parece, então, confirmar que tal adolescente tratava-se, de fato, de Santa Rosa.

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